domingo, 24 de janeiro de 2016

O Antunes pega-se?

Qual é a marca dele em quem escreve? Seis escritores falam de uma influência, apontam a excelência e a fragilidade, sublinham a presença indelével da biografia na obra de um escritor que ousou revelar-se “furiosamente” e aprendeu a esconder-se num jogo que parece o de um eterno aperfeiçoamento.
“Cuidado que o Antunes pega-se”, ou talvez se apanhe, “como uma gripe”. Não estamos num romance, mas quase parece possível escutar nestas metáforas a voz que atravessa, em muitos múltiplos, os livros de António Lobo Antunes. Mais biográfica no início, mais elaborada e esquiva nos livros mais recentes, e apontando para muitas outras possíveis. Como no último, Da Natureza dos Deuses, quando através da fala de uma mulher se interpõem outras hipóteses de ser, de falar: “… felizmente nasci em Lisboa apesar de correr o risco de não ser esta, se calhar sou mais bem tratada do que esta, se calhar casei-me, se calhar toquei violino ou morri de amor por um veterinário, qual será o meu nome, gosto de Irene, não gosto de Noémia, faz-me lembrar uma colega da escola que se chamava Lucinda mas tinha tudo de Noémia, até a cova do queixo e as sardas dos braços, apontem-me uma Noémia gorda que não encontro nenhuma, a da capelista um pau de virar tripas, uma das dactilógrafas do escritório enchumaços no peito, que ela encaixa melhor convencida de que não topamos, prefiro Irene ao meu nome, ou Cândida, ou Ester, que deixam sabores diferentes na boca, o meu insonso como a palavra dióspiro ou a palavra lâmpada, pronunciamo-las para dentro, a imaginar que sim, e deitadas cá para fora monótonas, o que as fantasias enganam…” 

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