segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Mais brilhante do que o sol

A inesperada ousadia de José Luís Peixoto - pegar no tema da aparição de Fátima -, seria já merecedora de espanto. Porém, o que mais surpreende é que o resultado, Em Teu Ventre , seja um dos melhores livros de Peixoto (se não mesmo o melhor).

O assunto do último livro de José Luís Peixoto (n. 1974) é especioso. Reconhecida-mente especioso. E não gentil. Quase se poderia dizer que, em Portugal, chega a ser um tema fracturante. Trata-se da alegada (tal como dizem em linguagem jurídico-jornalística) aparição, numa azinheira da Cova da Iria, em Fátima, da Virgem Maria. Por três vezes, entre Maio e Outubro de 1917, a Mãe de Jesus Cristo ter-se-á revelado diante de três pastorinhos, Lúcia (então com dez anos de idade), Francisco (nove) e Jacinta (sete). Na sua inesgotável posteridade, tais encontros imediatos de terceiro grau (dir-se-ia em linguagem cinéfila) podem suscitar eventualmente, hoje ainda, ou a paixão dos crentes ou o desdém dos ateus, mas dificilmente sobressaltam a indiferença dos agnósticos. O livro Em Teu Ventre não toma partido e como que naturaliza, e subjuga à ficção, as aparições da “Senhora mais brilhante do que o Sol”. Digamos que, anulando ou secundarizando expansões metafísicas ou religiosas, este livro toma o partido do imanente quotidiano, campestre e pobre, o partido da água “fresca e salitrosa” e do “pão com pingo”. Toma “o partido das coisas”, como diria Francis Ponge.


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