sábado, 8 de março de 2014

Ave César, os que vão ler saúdam-te

Para ser cineasta, João César Monteiro teve de matar o escritor. Mas não existem crimes perfeitos. A sua obra literária vai ser publicada em cinco volumes, a partir da Primavera.

Em 1959, dez anos antes de fazer o seu primeiro filme, João César Monteiro publicou um livro de poemas surrealistas, Corpo Submerso, que decidiu destruir pouco depois. Não foi um crime perfeito. “A amiga [e poeta] Luiza Neto Jorge pôde ainda, não sei como, sacar meia dúzia de exemplares e à socapa ofereceu a alguns amigos, entre eles eu, com a promessa de ficarmos com o bico calado”, diz o editor e amigo de João César Monteiro, Vítor Silva Tavares, da &etc.

Durante muitos anos, o cineasta não soube que o livro sobrevivera. “Até que há um momento, em minha casa, onde o César era visita frequente para os jantarinhos – sic! ‘jantarinhos’ era expressão dele –, em que a conversa fica à volta de livros que se perderam. Dada a conversa que estávamos a ter, calhava muito bem, bumba, apresentar ao autor o exemplar que eu tinha”, lembra Vítor Silva Tavares, de 76 anos, que partilha com César Monteiro mais do que uma certa parecença física (o corpo magro, o perfil aquilino); a língua também lhe sai afiada, com um fulgor simultaneamente aristocrático e popular. “Vou ao meu armário onde está a livralhada, saco o livrinho e pespego-lhe com o dito nas fuças. O gajo olha para aquilo, arregala o olho, nem quer acreditar. E vamos ter uma sessão memorável – uma pena não haver lá máquina de filmar. O César vai ler o livro todo, borrando-se a rir…”

Sem comentários: