Ao lado de tantos, desço a
Feira do Relógio. Como um céu remendado, as lonas esticadas protegem-nos desse
sol ácido. Desvio-me das cordas que suportam as tendas, desvio-me das estacas
de aço e daqueles que já sobem, carregados de sacos ou de olhares receosos,
apontados às camisolas penduradas, aos maços de meias a cinco euros, às
sapatilhas que uma mulher com buço garante serem de marca.
Qualquer-coisa
qualquer-coisa ao Senhor, Ele faz maravilhas, canta um homem que leva uma
Bíblia na mão, uma bandeira de Portugal ao ombro e um despertador pendurado ao
pescoço. Como nós, passa pelo meio das bancas de perfumes, ferramentas da
construção civil, óculos de sol e óculos de ver ao perto que se experimentam
logo ali. Um cigano de luto, barbas a cobrirem-lhe o pescoço, cabelo comprido
num chapéu já sem forma, grita mais alto, rasga a voz. Tem os tornozelos
submersos por um monte de roupas que uma roda de mulheres atira ao ar. Os
vendedores de mobílias estão refastelados nos sofás, entre arcas de enxoval,
entre quadros de montanhas, cascatas, praias ao pôr do sol.
Nota: José Luís Peixoto estará em Caracas em Novembro de 2015 para o aniversário do IPC.
domingo, 21 de junho de 2015
José Luís Peixoto - O povo
Por baixo
do viaduto, o barulho da multidão é mais alto, faz eco. Homens pendurados em
copos de vinho tinto e oleoso; mulheres a transpirar diante fogões, botijas de
gás, bifanas, entremeadas e couratos
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José Luís Peixoto
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