domingo, 9 de março de 2014

A paixão de Fernando Pessoa

Harold Bloom, um estudioso da literatura, escreveu uma vez um livro chamado A Ansiedade da Influência, no qual lidava com a tensão entre o grande escritor e o escritor ainda maior.

Para pôr as coisas em termos simples, o grande escritor que admira o escritor ainda maior passa pela tal “ansiedade da influência”, a admiração torna-se inveja, a inveja emulação, a emulação frustração, a frustração afastamento, e o afastamento (nos melhores dos casos) superação. Os maiores dos grandes escritores pairam como uma sombra sobre todos os outros: todo o escritor de língua inglesa vive na ansiedade da influência de Shakespeare (ou na sua rejeição), como o russo sob (ou contra) Tolstoi, etc.

Faz por estes dias cem anos, Fernando Pessoa encontrava a sua forma de escapar à ansiedade da influência, e de sair dela por cima. Também ele tinha Camões, e Vieira. E como escritor de língua inglesa, Shakespeare. Mas para poder ser maior, inventou um outro seu mestre, Alberto Caeiro, e declarou-o o seu ideal a atingir. Assim se libertou e superou em simultâneo. Poderíamos dizer que o mestre de Fernando Pessoa vivia dentro de si, mas isso é enganador. Pondo Alberto Caeiro no centro do seu sistema, Fernando Pessoa poderia deslocar a sua “ansiedade de influência” para fora de si. Camões ou Vieira (ou Shakespeare) estavam marcados na sua pele e de todos os outros escritores. Alberto Caeiro era um sol inventado, exterior a qualquer realidade, e à volta dele poderiam encontrar a sua órbita todos os outros planetas inventados de Fernando Pessoa: Ricardo Reis, Álvaro de Campos, e o próprio Fernando Pessoa. Foi como um momento-Galileu em literatura.

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