domingo, 12 de janeiro de 2014

Panteão Nacional: A igreja que foi fábrica de sapatos é uma casa de heróis mal amada




A expressão popular que lhe está associada ainda se usa, mas o Panteão Nacional da Igreja de Santa Engrácia é sobretudo visitado por estrangeiros. Que casa é esta, afinal? O que dizem as dez figuras ali sepultadas sobre Portugal e os portugueses? Dois historiadores respondem.

Ao entrar chega-nos, baixinho, a voz de Amália. Canta Uma casa portuguesa, bem a propósito. No Panteão Nacional, diz um dos funcionários da guardaria, ouve-se sempre a fadista e música barroca. “Ninguém estranha”, garante, “porque há turistas que vêm para ver o monumento e outros que vêm só à procura da Amália, muitos até para lhe deixarem flores”.

Na sala onde está o seu túmulo de mármore, a mesma dos escritores Almeida Garrett, Guerra Junqueiro e João de Deus, há quem se encarregue de nunca deixar secar as flores que lhe oferecem. Das dez figuras que têm os restos mortais na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, só Amália e Sidónio Pais, o Presidente da República assassinado em 1918, as recebem.

A escala da igreja hoje dessacralizada é monumental e sente-se sobretudo no interior solene, decorado com mármores de várias cores. Não há símbolos religiosos no altar e o espaço mais nobre parece uma enorme praça feita para passear. É difícil imaginar o edifício como depósito de armamento e fábrica de sapatos do Exército (século XIX e começo do XX). A sua história é atribulada e inclui uma igreja primitiva destruída por uma tempestade, uma lenda à volta de um amor proibido e até uma maldição. Acredite-se ou não nestas duas últimas, certo é que este templo barroco que muitos historiadores de arte consideram único esperou séculos para ser concluído e esteve praticamente os últimos 100 anos – foi destinado a Panteão Nacional em 1916 – entre os holofotes do Estado Novo, que fizeram dele um instrumento de propaganda, e um certo esquecimento, aparentemente incapaz de medir forças com o Mosteiro dos Jerónimos, monumento que muitos portugueses vêem ainda como o verdadeiro panteão.

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